21 agosto 2007

CONTADOR OU APRENDIZ DE CONTADOR?


Eis a questão...

Uma grande senhora dos Contos disse uma vez: “Somos aprendizes de contador”. Pois eu, um contador iniciante, concordo e discordo. E explico porquê.

Concordo porque compreendo porque é que ela diz isso: somos perpétuos aprendizes do conto (e de tudo o resto, claro) porque estamos sempre a aprender. E isso é bom, porque demonstra que estamos a crescer e a ganhar, no processo, novas e desejáveis qualidades e capacidades.

Discordo pela mesma razão pela qual concordo e discordo da declaração de Sócrates (não é esse, o outro, de há cerca de dois mil anos!!!): “Só sei que nada sei”, que acho incorrecta. Senão, vejamos:

Só sei que nada sei?! Ora eu sei perfeitamente que, na maior parte dos assuntos que me interessam, por muito pouco que saiba, ainda sei algo. E, à medida que estudo, passo a saber mais e mais, até saber mesmo bastante sobre o assunto que cativou o meu interesse e a minha motivação.

Mas (e é isso que Sócrates pretendia dizer), à medida que estudo, apercebo-me de que há mais e mais para saber; e, se não delimitar o meu campo de estudo, apercebo-me também (com mais ou menos angústia) de que há muitos assuntos que estão interligados e são mutuamente interactivos; isso significa que é impossível acabar por saber tudo!

Então, a aquisição de conhecimento seria como a caminhada de alguém que quisesse chegar ao horizonte: por mais que caminhe, e por mais que avance (porque avança mesmo!) apenas verifica que o horizonte está sempre á frente dele e é inatingível.

O contar também é assim, e é bom, de vez em quando, recordá-lo. Começamos a contar, e (esperançosamente!) vamos aperfeiçoando o nosso estilo. Mas, á medida que o fazemos, verificamos que, se formos honestos e conseguirmos escapar aos efeitos do orgulho, das modas e do comercialismo, há sempre espaço para melhorar e aprender mais. É um processo eterno, infinito, que prosseguirá até termos contado a nossa derradeira história. Este é um ponto assente e pacífico.

Para além disso (ainda se mantivermos a abertura necessária para conseguir ver para além da nossa própria importância) verificaremos que é igualmente impossível “ser o melhor contador”. E isto porquê?

Por várias razões: em primeiro lugar porque, para haver possibilidade de sermos os “melhores do mundo" teria de haver possibilidade de nos podermos comparar com todos os outros contadores que existem no mundo. Impossível.

O quê, o quê? Então os melhores do continente, do país, da região, do bairro? Bom, é já mais plausível, mas mesmo assim não pode ser; cada contador tem o seu próprio estilo desenvolvido, e para um estilo poder cativar facilmente o seu público, tem de reflectir maioritariamente o seu possuidor. Deste modo, para me poder comparar com um Doug Lipman ou um Tim Bowley, eu teria de os tentar imitar.

E isso é uma impossibilidade rotunda, que só me levaria a situações ridículas, transformando-me num (mau) clone dos originais! O que agrada aos que ouvem estes senhores do Conto é precisamente a originalidade, frescura e espontaneidade do estilo deles. Este, desenvolvido ao longo de décadas de trabalho e progresso, tornou-se a sua “marca registada”: o modo como um contador conta é basicamente projectivo, dependendo do seu modo de ser, de agir, de pensar, de crer, de ver as coisas, de estar no mundo…

Ainda se eu fosse suficientemente arrogante e/ ou inconsciente para me comparar com um António Fontinha, uma Cristina Taquelim ou um Tim Bowley, como o poderia conseguir? A partida deles foi dum ponto diferente da minha, as suas características pessoais eram no início diferentes das minhas, o seu percurso foi quantitativa e qualitativamente diferente do meu, os seus gostos e capacidades são diversos dos meus…

Assim, as “más notícias” são de que não podemos ser "os melhores”. Mas, ao mesmo tempo, eu pergunto-me: porque é que eu haveria de querer ser “o melhor”?! Só se me quisesse afirmar através de comparações egotistas. Os estilos de contar são tão diferentes que estas comparações são impossíveis. Seria o mesmo que comparar alhos com bugalhos só por terem a mesma terminação, ou leques com ventoinhas, ou cuecas com calções…

Mesmo porque, se eu fosse tolo o bastante para cair nessas comparações, o facto de ir avançando ao aperfeiçoar e desenvolver o meu estilo permitir-me-ia aproximar deles, mas não alcançá-los, porque eles também não permaneceriam estáticos, indo-se aperfeiçoando e avançando ao mesmo tempo!

Quanto a isso, estou perfeitamente calmo e descansado. Agora, contrariamente á declaração da nossa colega de narração, sei que sou um contador. O que quero é ser um melhor contador. Não quero ser o melhor de todos, mas apenas melhor do que sou agora. E assim, chego aonde queria chegar: o meu único parâmetro de comparação sou (e sempre apenas poderei ser) eu próprio: se quiser melhorar, só me posso comparar comigo.

Além disso, querer ser perfeito leva-nos a perguntar: O que é a perfeição? Quais os seus parâmetros de avaliação? Quer dizer, como é que eu saberia se sou perfeito, mesmo se o fosse? Comparando-me com quem? Com quê?

A perfeição absoluta não é sequer possível. Podemos apenas aperfeiçoar-nos se nos compararmos com o que éramos há algum tempo. O processo de auto – aperfeiçoamento é, mais uma vez, como uma caminhada para o horizonte: podemos melhorar mais e mais, apenas para descobrir que há mais e mais aspectos para trabalhar.

Quando falo em comparar-me, não me refiro a uma comparação febril e desesperada, com o que só conseguiria cair no perfeccionismo e criar úlceras de estômago. Não deve ser nunca uma comparação rígida e marcada, mecânica, mas sim uma comparação suave e sensível, mais uma observação do processo de desenvolvimento que todos nós sofremos do que uma comparação real. Para isso, a câmara de vídeo é uma ferramenta bastante útil, permitindo-nos ver como contávamos há seis meses, ou um ano, ou três. E na maior parte das vezes é um verdadeiro choque, mesmo porque a câmara nos permite tomar conhecimentos de pormenores e maneirismos que doutra maneira nos escapariam!

Assim, Contadores e Contadoras que me lerem, lembrem-se de que são Contadores, e comparem-se … com vocês mesmos.

José Paula Santos

14 junho 2007

AS MULHERES


Bom, apesar de hoje não ser nenhum dia oficial dedicado internacionalmente às Mulheres, resolvi escrever para elas. Há quem diga que todos os dias são dias da Mulher, por isso...

Que as Mulheres são assim, que são assado... Bah, coisas de homens, sem dúvida. O que interessa é que, sem elas, a Vida não seria praticamente possível.

E notem que não me estou a referir ao óbvio de todos provirmos duma mulher (se calhar, no futuro, esta declaração estará desactualizada, mas por enquanto...).

O que quero dizer é que a vida actual assenta primordialmente na Mulher. Ela é Mãe, começando por dar à luz e seguindo a apoiar, nutrir e orientar a manutenção imprescindível ao crescimento do bebé.

A seguir, é Musa: quem senão ela inspiraria paixões ardentes, amores escaldantes, relações altamente realizantes? O que, paralelamente, lhe empresta igualmente a qualidade de Amante.

Para além disso, é Profissional: hoje em dia, por escolha ou por necessidade, a Mulher tem uma carreira, e é tão boa nela como o homem. Quando não é melhor.

Fisica e mentalmente, é mais coordenada em várias áreas. E é precisamente uma destas áreas que me interessa e me levou (para além da homenagem que lhes quero prestar) a escrever este post: o uso da Palavra!

Pois sim senhor: a Mulher é eximia a palavrar, isto é, a usar as palavras. Que sim, que não?! Para o provar tenho mais uma história. Ora leiam e vejam se não estou certo.
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DEUS E A MULHER (anon.)

Há muito, muito tempo, uma mulher vivia á beira duma grande floresta. Um dia, precisando de lenha para cozinhar, saiu para a arranjar.

Quis o destino que, ao atravessar um rio, deixasse cair o machado e ele se sumisse nas águas profundas. A mulher, privada duma das mais importantes ferramentas de trabalho, começou a chorar e pediu ajuda a Deus.

Deus, que tudo vê (é o que dizem), apareceu á mulher e perguntou:

- Mulher, porque choras?
- Senhor, perdi o meu machado no rio. Como viverei agora?!

Deus mergulhou no rio e voltou trazendo um machado de oiro.

- É este o teu machado?
- Não, Senhor, não é esse – respondeu a nobre mulher.

Deus voltou a mergulhar e retornou com um machado de prata.

- É este o teu machado?
- Não, Senhor, também não é esse.

Deus voltou a mergulhar e voltou com o machado da mulher.

- É este o teu machado?
- Sim, Senhor, é este o meu machado!

Deus, agradado pela honestidade da mulher, deu-lhe os três machados e ela voltou, feliz, para casa.

Dias depois, a mulher voltou á floresta com o seu marido, e ele escorregou e caiu ao rio, desaparecendo da vista.

A mulher começou outra vez a chorar e a pedir ajuda a Deus, e Deus resolveu aparecer de novo, perguntando qual a causa da sua tristeza.

Respondida a sua pergunta, Ele voltou a mergulhar no rio e voltou com um homem poderoso, musculoso, um “pão”, como agora se diz.

- É este o teu marido, mulher?
- Sim, Senhor, é este!

Deus ficou muito irado com esta mentira:

- Mulher mentirosa!
- Deus, perdoa-me, mas fiz isto por respeito ás Tuas leis!
- ????????
- Ora vê: se eu tenho respondido que não, Tu voltavas a mergulhar e voltavas com outro homem bonito, e por fim com o meu marido. Então, dizias-me para ficar com os três homens, mas eu sou apenas uma humilde mulher e nunca poderia cometer trigamia. Foi por isso que respondi que sim ao primeiro!

E Deus achou justo e perdoou a mulher.

Moral da história: Mulher mente de um jeito que até Deus acredita!
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Por isso já vêem! Espero que não me levem a mal a brincadeirinha e aceitem como séria a intenção expressa na primeira parte do post, pois é sincera. Bem hajam!

José Paula Santos

NO PRINCÍPIO...



...era o Verbo. É assim que começa um grande livro religioso (S.João, 1:1). Neste contexto, "verbo" significa "algo verbal" ou "Palavra".

A Palavra é extremamente poderosa. Mal utilizada,pode (infelizmente) degradar, destruir, corromper, deitar abaixo. Quando proferida no que acredito ser a sua intenção inicial, serve para estimular, apoiar, confortar, animar.

Não é por acaso que em Timor os Contadores são chamados de Lia na'in (mestres de palavras, em linguagem tetum).

A minha ligação principal com a Palavra é através do Conto. Pode dizer-se que fui nutrido na minha infância por uma dieta de contos tradicionais. Ao colo da minha bisavó e da minha avó, eu ouvia horas a fio os velhos contos, sem me cansar das frases repetidas uma e outra vez, até adormecer...

Assim,foram essas sementes, deitadas na terra fértil da minha mente infantil no passado que deram frutos agora, no presente, frutificando em Contos, e é sem dúvida por isso que eu sou um Contador.

É também por isso que eu pretendo que este espaço que hoje abro seja um forum para assuntos relacionados com a problemática dos contos. Seja benvindo quem, como eu, os amar e quiser falar sobre isso.

Por isso, entre, sente-se, fique à vontade, diga de sua justiça. Toda a partilha de experiências será bem acolhida, grande ou pequena, experiente ou não, recente ou antiga...

Para terminar, quero aqui deixar a minha homenagem á minha bisavó (Joaquina) e à minha avó (Laurinda); e que homenagem melhor lhes poderia deixar um Contador senão ... uma história?!
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A palavra é muito perigosa, inclusivé para dizer asneiras (Maurício Leite, Beja, 2004)

A PALAVRA

Há muito tempo vivia numa aldeia um homem conhecido (mas nem sempre apreciado)pelas suas histórias. Nessa altura (como ainda hoje) havia quem conotasse "histórias" com "mentiras", como se a vida deixasse de ser séria só por nos rirmos...

Conta-se que esse homem, passeando ao longo duma praia deserta, encontrou à beira de água uma caveira humana branca e descarnada. Filosofando, exclamou:

- Ah, caveira, se pudesses falar decerto me dirias o que te trouxe aqui...

A caveira entreabriu as suas maxilas mortas e respondeu numa voz que lembrava o esfregar de folhas secas:

- A Palavra.

Espantado e aterrorizado, o homem correu para a sua aldeia e contou a todos o que tinha acontecido. Quando isto chegou ao conhecimento do chefe da aldeia, e porque o homem era conhecido por ser um indivíduo diferente, complicado, difícil de entender para aqueles espíritos simples e práticos até ao exagero, este encolerizou-se e disse:

- Está bem, agora chega! Vamos todos seguir-te até á praia e, se não for verdade o que contaste, mando cortar-te a cabeça!

E lá foram. Chegados ao pé da caveira, o homem perguntou novamente porque estava ela ali, e a caveira conservou-se calada.

- Caveira, diz alguma coisa.

Nada.

Depois de um quarto de hora de tentativas, o chefe ficou tão zangado com o que considerava um insulto à sua inteligência, que lhe mandou cortar a cabeça. Esta caiu ao chão e foi levada pelas ondas.

Dias depois o mar trouxe-a novamente àquela praia, já tão descarnada pelos peixes e caranguejos como a outra. Rebola para cá, rebola para lá e as duas encontraram-se frente a frente. E o velho crânio pergunta ao outro:

- Então, que te trouxe aqui?

Ao que a segunda respondeu:

- A Palavra.
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Bem hajam,

José Paula Santos